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ARTIGO
GRAPHPRINT JAN/FEV 11
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A Constituição concede imunidade tributária aos papéis destinados a jornais,
livros e periódicos, visando fomentar a cultura e impedir que governos não
democráticos cerceiem a liberdade de imprensa mediante carga tributária
excessiva sobre o papel, o que inviabilizaria o acesso à leitura e, consequen-
temente, à cultura.
Respeitável e elogiável a iniciativa do legislador, porém, na prática, a imunidade
é uma grande falácia. Vejamos: os livros no Brasil custam muito caro e a maioria
da população a eles não tem acesso.
Tentei saber o percentual do custo do papel em um livro e não consegui porque
parece que essa é informação guardada a sete chaves. Por isso, elaborei uma
“conta de chegar” e o resultado não deve estar distante da realidade. Pesei um
livro (300g) que hoje é um dos mais vendidos, “Nosso Lar”, que custa R$25,00
e, na promoção, R$15,00. Calculando que, no processo de fabricação, haja que-
bra de 30%, o peso do papel estaria em torno de 400g. O preço do papel offset
imune é mais ou menos de R$2,50 por quilo, que resulta em R$1,00 o papel
utilizado nesse livro. Se tributarmos o papel, o valor seria R$1,28 e o livro, em
vez de R$15,00, custaria R$15,28. Sem dúvida, R$ 15,00 ou R$15,28 são valores
altíssimos para a realidade brasileira e não seriam os R$0,28 que impediriam
o eventual comprador a ter acesso à leitura. O exemplo vale para o jornal, cujo
papel é mais barato e a cobrança dos impostos pouco representa no custo.
Liberdade de imprensa
“O Estado de São Paulo”, também conhecido como “Estadão”, está sob censura
há mais de 400 dias por determinação judicial, que o proíbe de publicar qual-
quer notícia ou comentário sobre a operação “Boi Barrica”, que envolve o filho
do presidente do Senado.
Quando do regime militar, a imunidade do papel permaneceu, porém, optou-
se pela censura prévia. A figura do censor tornou-se corriqueira nas redações.
Lembro-me de que o “Jornal da Tarde”, para comprovar aos leitores estar cen-
surado, no espaço, cuja informação fora proibida, publicava receitas culinárias;
e o “Estadão”, estrofes dos Luzíadas.
Fácil de se deduzir que a imunidade  constitucional não alcança os objetivos
pretendidos. Na verdade, quem leva vantagem com esse favor tributário são
aqueles que desviam a finalidade do papel imune, utilizando-o em impres-
sos comerciais, o que obriga os concorrentes honestos a desistirem do ne-
A quem interessa a
imunidade tributária
sobre o papel?
Por Vicente Amato Sobrinho
Vicente Amato Sobrinho é presidente do Sinapel
gócio, pois com vinte e tantos por cento de di-
ferença nos orçamentos, tornam-se cartas fora
do baralho.
É como um sujeito que passa quatro anos treinan-
do para a Olimpíada, acordando cedo, treinando
muito, alimentando-se corretamente e dormindo
cedo, mas no dia da prova é superado por quem
recorreu ao “doping”.
O governo federal tenta coibir essa situação, po-
rém, as medidas adotadas são corretivas e nunca
preventivas, o que constitui um erro, pois quando
se descobre a fraude o estrago já foi feito. A Se-
cretaria da Fazenda do Estado de São Paulo lançou
recentemente o Recopi, que é preventivo e está
surtindo efeito; porém, enquanto houver um Esta-
do que não o adote, sempre haverá brechas para
os que desviam a finalidade do papel imune.
É sabido que os órgãos de imprensa não abrem
mão do preceito constitucional, porém creio que
poderiam rever essa posição, pois os objetivos da
imunidade previstos na Constituição não são al-
cançados de forma satisfatória, só abrindo espa-
ço para os sonegadores em detrimento dos bons
contribuintes.
*Vicente Amato Sobrinho é presidente do Sindicato
Nacional do Comércio Atacadista de Papel e Pape-
lão (Sinapel)