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ARTIGO
GRAPHPRINT JUL/09
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Certa feita, ao desmentir uma notícia sobre seu hipotético falecimento, disparou: “As
notícias sobre minha morte foram extremamente exageradas.” Talvez algo semelhan-
te aconteça com a indústria gráfica, cujo féretro tem sido anunciado, principalmente
por veículos impressos, há quase meio século. Pinkus Jaspert, jornalista especia-
lizado em indústria gráfica, preconizou, em 1976, que leríamos o New York Times
somente em tela já a partir do ano 2000.
Quando presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf), alertei di-
versos públicos empresariais que alguns produtos da indústria gráfica pereceriam.
A nota fiscal impressa era um deles. Fruto de uma relação incestuosa entre controle
fiscal, cobiça arrecadatória e aceleração das informações, era previsível que os sis-
temas eletrônicos integrados atropelariam a nota fiscal “arcaica”.
Todavia, há produtos gráficos com uma sobrevida considerável, principalmente nos
países emergentes. Consideremos apenas alguns dados recentes:
1) Enquanto a demanda por jornais nos EUA cai sucessivamente, o Instituto Verifica-
dor de Circulação (IVC) emitiu no início do ano o relatório de tiragens no Brasil em
2008, apresentando um acréscimo de 5% na circulação média diária.
2) Segundo dados da Abigraf e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
o valor da produção setorial em 2008 ultrapassou US$ 13,2 bilhões. No período de
oito anos, entre 2000 e 2008, o contingente de colaboradores no setor saltou de 168
mil para 204 mil, de acordo com o Ministério do Trabalho.
3) Estudo publicado pelo Rochester Institute of Technology revelou que, entre 1998 e
2020, os EUA passarão de 61,6 milhões para 75,9 milhões de toneladas/ano de con-
sumo de papel. Há encolhimento de demanda prevista em vários segmentos, como
periódicos, jornais, livros, catálogos e manuais. Por outro lado, há incrementos signi-
ficativos em embalagem, promoção e papel cortado.
A ameaça à indústria gráfica tem fundamento. Quando a Sony lança uma tela flexível
que simula a portabilidade do papel, é insensato desprezar o avanço tecnológico
que já obsoletou produtos gráficos. Mas, ao mesmo tempo, cabe questionar quantos
leitores do BRIC (grupo integrado por Brasil, Rússia, Índia e China) poderão pagar
os US$ 359,00 do livro eletrônico Kindle 2, apresentado pela Amazon no dia 9 de
fevereiro último.
Como será, então, essa gráfica do futuro? Algumas das características de empresas
gráficas do futuro, garantindo longevidade, adaptabilidade e geração de valor ao ne-
gócio, serão:
1) Eficiência absoluta: nossa indústria ainda é altamente ineficiente em termos de
perdas e geração de valor “per capita”. O faturamento médio por funcionário
da gráfica brasileira é de US$ 50 mil anuais, relativamente baixo comparado a
outras indústrias.
O futuro da
indústria gráfica
Mário César de Camargo*
2) Especialização notória: como se distinguir como líder no
share of mind do seu cliente, quando há 20 mil concorren-
tes? A especialização, o controle de processo e a liderança
de determinado segmento são ferramentas indispensáveis
para a sobrevivência.
3) Agregação de valor: o destino da indústria madura – e a
indústria gráfica é uma senhora de 550 anos – é a “comodi-
tização” dos serviços e rebaixamento dos preços. As gráfi-
cas do futuro deverão identificar oportunidades de agregar
serviços a partir da visão do cliente, não da sua própria.
4) Flexibilidade: gráfico tem os olhos voltados para seu
próprio umbigo. Empresários com máquinas offset des-
consideram impressão digital. Além disso, produtos plás-
ticos impressos não são considerados gráficos, no senti-
do tradicional. Não me consta que a Nokia, uma empresa
centenária, tenha fabricado telefones celulares desde sua
fundação.
No fundo, tais características valem para toda empresa que
pretenda sobreviver, não somente as gráficas. Enquanto
isso, continuaremos a ler sobre a morte anunciada das im-
pressões sobre papel, exatamente nos moldes dos procla-
mas funéreos de Mark Twain.
* Mário César de Camargo, empresário gráfico, administrador de
empresas e bacharel em direito, é presidente do Sindicato das Indústrias
Gráficas no Estado de São Paulo (Sindigraf-SP)