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Reforma política já!

17/02/2009 - 00:02
Por Fabio Arruda Mortara*

A eleição consagradora e a posse de Barack Obama expressam de modo efetivo o desejo da maioria dos eleitores dos Estados Unidos, mas nem sempre foi assim. Ao longo da história dessa grande nação, em três ou quatro ocasiões foi eleito o candidato vitorioso na maioria dos Estados, mas com número total de votos do eleitorado inferior ao do adversário. Uma dessas exceções, possíveis em decorrência da distorção do modelo eleitoral do país, que não garante a relação “um cidadão um voto” na eleição presidencial, ocorreu em novembro de 2000. Lembram-se? O republicano George W. Bush foi eleito com número menor de votos do que seu adversário democrata, Al Gore, vice de Bill Clinton, protagonista de um dos períodos de maior prosperidade econômica norte-americana. Explica-se: venceu na maioria dos estados, no âmbito do colégio dos delegados partidários, mas na soma geral de votos de todos os eleitores, foi batido. Como se não bastasse, o pleito foi para o “tapetão”. Depois de angustiantes 37 dias, coube à Suprema Corte decidir a eleição, sentenciando que os votos da Flórida não deveriam ser recontados, como queriam os democratas, ante justificadas suspeitas de manipulação. Com um estado a mais para Gore e um a menos para Bush, teria prevalecido a vontade do povo... Iniciou-se um período de instabilidade política e econômica. Embora reeleito de modo incontestável (segundo muitos analistas em decorrência da disseminação do medo), Bush deixa um legado de guerras e de uma das mais graves crises econômicas da história, gerada não apenas pelo crash do subprime, mas também pelo imenso déficit público oriundo da invasão do Iraque e outras intervenções militares. Neste momento em que o Brasil também é atingido pela crise, é bom alimentar nossa autoestima, lembrando que nosso sistema eleitoral — no escopo da legislação e na tecnologia empregada — é muito melhor do que o dos Estados Unidos. Aqui, o candidato à presidência que tiver o maior número de votos diretos da população, se ganhar leva! Nossas urnas eletrônicas jamais teriam suscitado qualquer dúvida na Flórida, como ocorreu com aqueles obsoletos cartões perfurados (iguais aos da nossa velha Loteria Esportiva...).

É importante, neste momento em que o mundo comemora com esperança a posse de Obama, evidenciarmos os avanços políticos do Brasil, instituídos pela Constituição de 88. Os principais, além da garantia da eleição direta, são os mandados de injunção, a possibilidade de a sociedade apresentar projetos de lei, o instituto do plebiscito e do referendo por voto popular. Tal reflexão é fundamental, pois o exercício da política tem o poder de mudar a história, como fizeram agora os norte-americanos. Também é imprescindível porque nossas virtudes nessa área não devem mascarar os defeitos. Ao contrário, precisam nos estimular a rever os problemas e a colocar novamente em pauta a reforma política. Esta é a mais importante de todas, inclusive no sentido de dar ao Brasil melhores condições para o enfrentamento de crises.

É prioritário, por exemplo, um Código Eleitoral definitivo. É inconcebível, a cada eleição, estabelecer normas específicas, mobilizando tempo do Congresso, do Executivo e da Justiça Eleitoral, além de se criar um caldo de cultura para o casuísmo. Outro avanço é o voto distrital misto: metade dos parlamentares seria eleita nos seus respectivos distritos e 50%, nas eleições proporcionais (o modelo amplia a representatividade do voto e reduz os espaços para relações espúrias e manipulações recíprocas entre Executivo e Legislativo). Também é inexorável a fidelidade partidária, que eliminaria uma série de vícios no processo político, que se reflete, muitas vezes, no caráter volátil das alianças e coligações e, pior, no comércio de cadeiras no Legislativo. A recente decisão do STF, de impedir a troca de legenda durante o mandato, não é suficiente e, aliás, sequer está sendo cumprida rigorosamente.

A reforma política precisa incluir, ainda, a normalização dos financiamentos das campanhas, com o estabelecimento de recursos orçamentários para cada partido, proporcionalmente à sua representatividade, e regulamentação mais criteriosa e rígida, com a imposição de limites às contribuições. É preciso estabelecer controles intransigentes dos valores e das respectivas prestações de contas. Finalmente, para que no Legislativo prevaleça o conceito “um cidadão um voto”, é necessário rever a proporcionalidade das bancadas na Câmara dos Deputados. Hoje, o voto dos eleitores de estados mais populosos vale menos do que o de habitantes de unidades federativas com menos habitantes.

Da mesma forma que os norte-americanos não têm como anular os efeitos das distorções que propiciaram a primeira eleição de Bush, nós, brasileiros, não podemos alterar as consequências dos equívocos de nossa estrutura política, como o “mensalão”, “os anões do orçamento”, os “sanguessugas”, a “pasta cor de rosa”.... Como é impossível mudar o passado, é ainda maior a responsabilidade perante o futuro, este sim sujeito à consciência e proatividade da sociedade e do setor público. Reforma política já!

*Fabio Arruda Mortara, M.A., MSc., empresário, é presidente da Regional São Paulo da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf).

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