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Tolerância zero

08/05/2009 - 00:05
Por Alfried Karl Plöger*

O desonroso quinto lugar como a mais corrupta dentre 22 nações listadas em ranking divulgado recentemente pela ong Transparência Internacional é apenas uma vertente da imensa dificuldade do Brasil de fazer prevalecer a principal guardiã da democracia: a legalidade! Os estados paralelos instalados nos morros cariocas, as facções criminosas que ditam regras nas periferias e presídios das grandes cidades, as transgressões e violência crescente nas invasões de propriedades rurais, os já quase esquecidos mensalão, sanguessugas da saúde e anões do orçamento, a rotina de propinas e a venda de facilidades constituem as gravíssimas pontas do iceberg da improbidade que conspira contra a imagem internacional e interna do País.

No entanto, submersos na inconsciência de muitos, nos interesses de outros, na retórica persuasiva de numerosos políticos, no foco predominantemente econômico destes tempos de crise e na ausência de memória, há numerosos casos, usos e costumes que também desafiam as leis, contrariam a ética e subvertem a relação entre o Estado e a sociedade. Exemplo recente foi o verdadeiro comício promovido pelo Palácio do Planalto, com dinheiro público, para a apresentação da candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, a cerca de 1.500 prefeitos. Ninguém — além dos beneficiários do Bolsa Família, dos que ganharam dinheiro na montagem do portentoso evento e dos bajuladores de plantão — acreditou no caráter administrativo da reunião.

Além dessa festa política, muito questionável do ponto de vista da legislação eleitoral e ré confessa no tribunal da ética, o Brasil vai convivendo com pequenos e grandes desmandos, jogos de interesses sub-reptícios (como os que impedem, há duas décadas, as reformas constitucionais) e atos governamentais inexplicáveis à luz da lógica e do bom senso. Um deles foi o recente veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Projeto de Lei Complementar 183/2001, aprovado pelo Congresso Nacional, que, depois de 30 anos, extinguia a bitributação de produtos gráficos pelo ICMS (imposto estadual) e o ISS (municipal).

É interessante observar a principal justificativa ao inexplicável veto, redigida pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República: “A exceção trazida pela mudança legal quanto aos serviços destinados a posterior comercialização ou industrialização trará impacto arrecadatório e financeiro a municípios, resultando em desequilíbrio na sua arrecadação". Ou seja, ao rejeitar lei, aprovada pelo Parlamento, que reparava flagrante injustiça tributária, o presidente fez mais um afago nos prefeitos, não importando se o gesto feriu princípio constitucional contrário à bitributação. É inevitável arguir: estaria esse veto da Presidência vinculado ao mesmo jogo político-eleitoreiro que motivou o comício disfarçado de Brasília, no qual Lula e Dilma Rousseff distribuíram um "pacote de bondades" a prefeituras de todo o País?

Esta e tantas outras perguntas não respondidas continuam a desrespeitar a inteligência e a desafiar o direito dos brasileiros à transparência. O atávico problema não deixa dúvidas de que a insegurança legal e jurídica, acrescida da fragilidade ética, é um dos gargalos que obstruem o desenvolvimento brasileiro. Infelizmente, verificam-se no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, atos e ações que a opinião pública percebe como falta de coerência e objetividade e/ou identifica como ilegal, aético ou equivocado à luz do bom senso e dos anseios maiores da nação, das empresas, da economia e da sociedade.

Nesse contexto, perde-se por completo a referência do certo e do errado, do justo e do injusto. Prevalece amarga sensação de insegurança ante os poderes constituídos, sempre realimentada pela impunidade, a cada caso, a cada escândalo, a cada incoerência. Assim, para o senso ético do inconsciente coletivo, é paulatinamente mais inaceitável a postura adotada pelas instituições em numerosos casos. Tal situação afronta o estado de direito, pois faz oscilar entre a anarquia e a ditadura o trato de questões muito sérias da vida nacional. Queremos e precisamos colocar um ponto final na insegurança legal e jurídica. A palavra de ordem é tolerância zero quanto à observância das leis, dos atos da Justiça e da conduta dos três poderes, de modo que prevaleça sempre o bem maior do Brasil.

*Alfried Karl Plöger é presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) e vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).

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