Kodak

Prestígio intocado*

26/05/2009 - 00:05
*Entrevista com a presidente da ANJ, Judith Brito, publicada pelo Jornal Meio e Mensagem.

Apesar da crise, 2008 foi excelente para os jornais pagos brasileiros, e a expectativa é fechar 2009 com um faturamento igual ao do ano passado. Os veículos impressos não estão perdendo relevância, mas convergindo e mudando para outros formatos. O mercado publicitário jamais se "divorciou" do meio Jornal. Essas são algumas das conclusões apresentadas pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito. Formada em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, com mestrado em Ciências Políticas pela PUC, a executiva da Folha de S. Paulo analisou as tendências de transformação dos modelos editorias e dos processos e distribuição dos veículos impressos nos próximos anos e décadas.

Meio & Mensagem Especial - Os jornais fecharam o ano passado com contas relativamente equilibradas, apesar do grande baque da crise no último trimestre. Mas 2009 chegou com muitas restrições, com perdas de cerca de 6% no faturamento do meio e de 2% na participação relativa no bolo publicitário. A situação é incômoda ou preocupante?
Judith Brito - De um modo geral, os jornais fecharam 2008 com contas bem mais do que "relativamente equilibradas". O ano foi excelente e os resultados muito bons, bem acima da média histórica. Em suma, um ano difícil de ser repetido, em qualquer circunstância. Claro que algum impacto a crise internacional trouxe, mas trata-se de um resumo difícil de ser feito, porque algumas áreas vão muito bem. Varejo, área financeira e de veículos, por exemplo, praticamente mantiveram seus investimentos. O grande prejudicado foi o setor de imóveis, mas este agora também dá sinais de recuperação. Naturalmente, toda perda de receita é incômoda e exige respostas e ajustes. Mas a situação está longe de ser alarmante. Para ajudar a fechar as contas, o dólar está em leve queda e o preço do papel, que esperávamos ser o grande vilão de 2009, começa agora a cair.

M&M Especial - As quedas recentes podem ser consideradas uma tendência?
Judith - De maneira geral, os diretores comerciais do meio têm passado uma avaliação otimista. Com certeza o primeiro trimestre foi difícil, mas é esperado que o mercado, até agora receoso de uma hecatombe financeira, já tenha percebido que a atividade econômica e o consumo em diversos segmentos têm se mantido em níveis bastante fortes. Ainda há números contraditórios, mas a sensação é que cresce o volume de boas notícias no que se refere à economia. O setor espera terminar o ano ao menos com o mesmo montante faturado em 2008.

M&M Especial - O que está sendo feito para recuperar as parcelas perdidas de publicidade e de faturamento e neutralizar essas perdas?
Judith - Sabemos que é forte a correlação entre as performances da economia em geral e da mídia. O aumento de circulação e de faturamento publicitário dos jornais nos últimos anos mostrou isso. Esse é um fator decisivo, mas há margem de manobra para que cada jornal atue, em conjunto com suas agências de publicidade. Nesta hora, criatividade e garra são fundamentais. A ANJ discute o assunto por meio de seu comitê de mercado publicitário, um dos mais atuantes. Há pesquisas, eventos e campanhas que devem ser lançados em breve.

M&M Especial - Os diários pagos estão perdendo relevância? Qual será o futuro desses veículos? O papel será substituído por outro meio físico?
Judith - Nada autoriza afirmar que os jornais estão perdendo relevância. Eles e toda a mídia tradicional não estão desaparecendo, mas convergindo e mudando para outros formatos. Ninguém sabe quando, mas, em algum momento do futuro, provavelmente cada pessoa terá seu equipamento particular que concentrará tudo: TV, rádio, revista, jornal, e ainda o livro, a comunicação com o mundo, o telefone, a carta, agora chamada de e-mail, entre outras coisas. Não quer dizer que os modelos tradicionais não possam conviver com esse novo formato, mas sem dúvida a plataforma predominante de interação com o mundo está se transformando. A informação e a análise relevantes não vão acabar, só mudar de formato. Como disse Arthur Sulzberger Jr, publisher do The New York Times, a palavra em inglês para jornal é composta de news + paper. A essência da atividade é news. Quem ficar preso apenas ao paper tende a diminuir. Nós e o mundo todo discutimos o modelo de negócio do jornalismo nessas novas condições. Acho que o conteúdo mais sofisticado e de qualidade poderá estar fechado, em um modelo que inclua assinatura e publicidade. Conteúdos mais populares devem usar mais o peso da audiência, que, por sua vez, alavanca publicidade adicional.

M&M Especial - Existe o risco de o mercado publicitário "se divorciar" do meio jornal?
Judith - De forma alguma. Continuamos em lua-de- mel. Podemos até, digamos assim, "discutir a relação" de vez em quando, mas o jornal continua sendo a mídia com maior credibilidade no mercado e uma audiência expressiva. Os grandes jornais seguem sendo a plataforma mais relevante de discussão dos principais temas nacionais. Os municipais ou regionais são os responsáveis pela repercussão dos assuntos locais. O mercado publicitário sabe disso.

M&M Especial - O conteúdo com manchetes meramente factuais não perdeu o sentido diante do bombardeio de notícias promovido pela internet, por rádios e TVs? O conteúdo dos grandes jornais deve ser repensado?
Judith - Na verdade, o papel dos jornais como provedores de "últimas notícias" das informações sobre o que acabou de acontecer, começou a diminuir quando eles deixaram de ser a única forma de difusão de notícias, com o surgimento do rádio e, depois, da televisão. Em menor medida, o mesmo aconteceu com o hardnews notícias factuais). As novas tecnologias acentuaram essa diferença, especialmente no que se refere ao factual dos jornais. Mas eles se especializaram ainda mais no que já fizeram sozinhos na maior parte de sua história, quando não havia rádio ou TV: o furo bem trabalhado, a análise profunda, o editorial com impacto social. Não foi à toa que o caso Watergate, que resultou na queda do ex-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, foi deflagrado pelo jornal Washington Post. No impeachment do ex-presidente Fernando Collor, os jornais também tiveram papel fundamental. Essa marca registrada não deve se perder. Além disso, os jornais poderão, em suas versões online, também voltar a competir com breaknews e hardnews.

M&M Especial - Pesquisadores e futurólogos apostam que o jornal impresso, como conhecemos, não será mais realidade em 20 ou 30 anos. Alguns falam em cinco. Como a ANJ encara essas previsões?
Judith - Costumamos dizer que o jornal é o produto mais perecível que existe, mais até do que alimentos, porque se chegar com um pouco de atraso às bancas ou à casa do assinante simplesmente será ignorado. E uma operação de guerra a cada dia. Mas acho que haverá muitas batalhas a vencer ainda neste front, ou neste formato. Veja o Grupo RBS, que investiu R$ 70 milhões em um novo parque gráfico que será inaugurado no meio do ano. Claro que precisamos discutir o futuro e tomar já decisões práticas sobre ele, mas não significa que o papel esteja superado. Aliás, o que temos visto no Brasil e nos demais países do Bric é um crescimento do consumo nos últimos anos, com a ascensão das classes menos favorecidas, que ganham mais poder de consumo. De qualquer forma, não se trata de uma mudança abrupta, mas de um processo de transição. A minha geração - que, espero, ainda sobreviverá por mais uns 30 anos - não fica sem seu jornal impresso, por mais que recorra diariamente também à internet. E, enquanto houver consumidor de papel-imprensa, haverá a produção do papel.

M&M Especial - Os jornais gratuitos colocam em risco o faturamento dos pagos?
Judith - Não ameaçam os quality papers porque são produtos totalmente diferentes. Os gratuitos são como clippings de notícias, voltados à informação rápida, em geral para leitura no trânsito. Talvez tenham alguma competição com os populares.

M&M Especial - Os estudos mostram que a disposição das novas gerações para pagar por informação é cada vez menor e que os jovens lêem cada vez menos jornal. Isso preocupa?
Judith - Jovens sempre tiveram menor predisposição ao pagamento por informações, comparativamente aos mais velhos, por uma razão muito simples: seu poder aquisitivo é muito menor. Isso ocorria mesmo quando não existia a internet. Não quer dizer que não lessem os jornais comprados pela família. No novo mundo digital, claro que ninguém vai pagar por informação que um concorrente fornece gratuitamente. Mas informação de qualidade não é barata. Produzir e checar notícias exige tempo e dinheiro. Fazer análises de qualidade exige gente qualificada. Não acredito que o mundo esteja disposto a abrir mão desse conteúdo.

M&M Especial - Apesar da crise, a tiragem total dos veículos pagos no País cresceu nos últimos meses e anos. Qual o motivo?
Judith - No Brasil, os jornais de qualidade já configuravam um segmento maduro para os padrões nacionais. 0 que havia era um mercado potencial muito grande e pouco explorado para os títulos populares. A melhora na economia, que favoreceu a ascensão de contingentes mais pobres, permitiu a expansão dos jornais populares. As publicações de qualidade vêm tendo um pequeno crescimento, mas de 2001 a 2009 a circulação dos populares subiu 85%.

M&M Especial - Quais as peculiaridades do mercado brasileiro de jornais pagos e de seu potencial futuro em relação aos países desenvolvidos e a outros emergentes?
Judith - O Brasil é um país muito complexo e estratificado. Há uma parcela da população que é cosmopolita, com alta renda, instrução elevada e hábitos sofisticados, que está no mesmo nível dos países desenvolvidos. No outro extremo existe uma população abaixo da linha de pobreza, cujo horizonte é a área onde mora, e que luta pela sobrevivência, com nível de instrução e cultura perto do zero. Nos países desenvolvidos o jornal já teve seu auge e vive um processo de crise, como atestam as notícias das empresas jornalísticas dos EUA e da Europa. No Brasil, se conseguirmos superar logo a crise e o mercado voltar a crescer com consistência, vejo espaço para a expansão dos jornais, assim como da própria internet, que hoje já é usada por quase 60 milhões de brasileiros.

M&M Especial - Em sua visão, qual a tendência de divisão das verbas publicitárias nos próximos anos? Quem ganhará e quem perderá?
Judith - A publicidade "tradicional" deve continuar a existir, uma vez que os anúncios nos formatos dos jornais, das revistas, do rádio e da TV são perfeitamente transplantáveis para a internet, por meio de banners, áudio e vídeo. Mas há muitas novidades que começam a competir com o modelo antigo: os links patrocinados associados a buscas na web, a publicidade por clique, os virais e outros formatos dos meios digitais. O mercado vai ter que se adaptar a essa nova realidade.

M&M Especial - Os jornais impressos são grandes marcas que ainda possuem as maiores reservas de credibilidade incorporada. Como isso está sendo usado e preservado?
Judith - E um fator importante na disputa por audiência diante de concorrentes que não têm esse atributo. Mas isso não basta. Existem exemplos aos montes de marcas que em seu melhor momento foram imbatíveis e que desapareceram. A sobrevivência depende da capacidade das empresas detentoras dessas marcas de se reinventar em função das novas circunstâncias. A sobrevivência dos jornais depende, em grande parte, de sua capacidade de manter essa imagem de maior credibilidade, em qualquer meio físico. Acho isso perfeitamente possível - e deve ser nossa meta.

M&M Especial - A presença de uma executiva, e não de um dono de jornal, na presidência da ANJ é sinal de que os empresários do setor querem demonstrar intenção de profissionalizar a atuação também nesse nível de representação?
Judith - A grande maioria dos presidentes anteriores veio de famílias proprietárias de jornais, mas houve casos anteriores de executivos no cargo. A presidência da ANJ é ocupada pela empresa eleita, independentemente da pessoa indicada para exercer o cargo. A Folha foi eleita em agosto de 2008. Eu ocupo o cargo, por indicação da família Frias, porque na prática sou representante da Folha na ANJ há bastante tempo. Felizmente para mim, os proprietários das empresas jornalísticas que compõem a ANJ continuam participando pessoalmente das atividades, o que em geral não ocorre com outras entidades. Isso confere à ANJ uma representatividade compatível com a mais antiga e mais influente das mídias. Quanto à profissionalização, de fato tem acontecido, o que é muito saudável, mas no fundo há decisões na indústria jornalística que não seguem a pura racionalidade econômico-financeira, como seria em uma empresa comum. Investir na qualidade da informação nem sempre tem o lucro como objetivo de curto prazo. A própria separação "igreja/Estado" que isola interesses publicitários da necessária independência editorial, exige determinação. E, para tanto, é preciso fidelidade a princípios — seja por parte do dono, seja dos executivos.

Fonte: www.anj.org.br - (Publicado originalmente no Jornal Meio & Mensagem – 18/05/2009 - Pág. 18 a 20).

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