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Um eufemismo e um ato falho do Copom

11/11/2008 - 00:11
Alfried Karl Plöger*

A crise financeira mundial, conforme evidenciam os modestíssimos números relativos ao PIB dos Estados Unidos e outros países no terceiro trimestre, já se encarregou de reprimir a inflação de demanda. Assim, não são necessários os juros reais mais elevados do Planeta para racionalizar o consumo por parte dos brasileiros. Insiste-se na aplicação hermética dos modelos monetaristas da “cartilha”, quando a conjuntura exige medidas mais criativas e ousadas.

É preciso ter sensibilidade para perceber não ter sido fortuita a decisão quase unânime dos bancos centrais, em todos os continentes, de reduzir as taxas de juros, em alguns casos fixadas até mesmo abaixo dos índices inflacionários, visando ao estímulo do nível de atividade. Parece que as autoridades brasileiras são as únicas a não acreditar na necessidade de adotar estratégias capazes de atenuar os problemas relativos à oferta de crédito e aos riscos de recessão.

Ao contrário da postura que vem sendo adotada na política econômica nacional, o momento é de estimular os investimentos, manter elevada a confiança dos agentes econômicos e da sociedade, de modo que o mercado interno possa absorver a produção que os países do epicentro da crise deixarem de comprar. É hora de o governo demonstrar segurança e confiança nos fundamentos que ele próprio plantou, incluindo a inédita reserva cambial superior a US$ 200 bilhões.

Entretanto, como a prática da condução econômica contraria o discurso oficial que chegou a proclamar a blindagem do País contra a crise, a Selic de 13,75% anunciada dia 29 de outubro último pode até mesmo ser entendida como um eufemismo. Ou seja, não estaríamos tão imunes quanto o Palácio do Planalto quer nos fazer crer. Mais do que isso, parece que nossas autoridades econômicas acreditam mesmo que precisamos de uma dose alta de juros para conter um eventual aumento da inflação, mesmo em meio à crise mundial.

Caso seja essa a tese enrustida nos juros altos, devemos ficar muito preocupados, pois evidenciaria que o próprio Copom não estaria seguro de que a reserva cambial agüenta o tranco dessa crise financeira do mundo, porque não se sustenta em outros fundamentos essenciais. Um desses “buracos” é a falta de reservas em reais. Agora se esquece, mas foram muitos os alertas de que o governo estava convertendo dívida externa em interna e construindo suas reservas em dólar à custa do aumento do endividamento em moeda nacional.

Para alguns mais otimistas, a manutenção da taxa básica de juros em 13,75% ao ano, igual à anunciada em setembro, foi o início de um processo de queda da Selic, interrompendo a curva de alta. Porém, num cenário internacional em que se já se observa, em vários países, taxas negativas de juros, a decisão brasileira significou reiterar a política de juros altos. A rigor, pode ser entendida como um ato falho do Copom, quase uma confissão de que seus próprios membros são céticos quanto às bases de sustentação de nossa economia.

Se o Governo Federal - assim como muitas prefeituras e administrações estaduais - viesse agindo com mais prudência nos últimos anos quanto à redução dos gastos públicos, teria feito um pé de meia substantivo em reais, tendo agora mais recursos para investir, contribuir para o aquecimento do nível de atividade e irrigar a economia para manter a liquidez. Como não poupou, manda a conta para sociedade pagar, por meio do perverso imposto dos juros. Como se sabe, as altas despesas do Estado são fatores estimulantes da inflação, pois têm impacto na dívida pública. Para refinanciá-la todos os dias, são emitidos títulos do Tesouro com rentabilidade muito elevada (juros altos). É um círculo vicioso e pernicioso.

Apenas para ilustrar esse raciocínio, é importante lembrar que, somente em 2008, de janeiro a agosto, o setor público brasileiro - União, estados e municípios - já pagou mais de R$ 106 bilhões em juros aos credores de sua dívida, uma alta de 14,9% em relação ao mesmo período do ano passado. Um novo recorde. Em tempo: são informações oficiais do Banco Central (oops...).

É por todos os motivos aqui enumerados que a manutenção da Selic em 13,75% explicaria a impossibilidade que o próprio governo vê de reduzir os juros básicos brasileiros. Como se não bastasse a preocupação que essas razões suscitam, pois é inevitável a ilação quanto à fragilidade dos fundamentos de nossa economia, há que se lamentar a falta de clareza e transparência perante a sociedade.

* Alfried Karl Plöger é presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf Nacional) e vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).

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