Revista Graphprint - Edição 186

Artigo GRAPHPRINT Jul/Ago 2018 50 A criativa logística reversa do Brasil POR FABIO MESTRINER* Um arranjo informal e criativo destina mais de 60% das embala- gens produzidas no Brasil para as fábricas após entregar seu conte- údo aos consumidores de todo o país. A produção de embalagens é um componente importante na economia das nações desenvolvi- das. Isto se deve ao fato dos produtos necessitarem de embalagens para serem distribuídos. Hoje, mais de 80% do que é produzido nas fábricas acaba sendo encaminhado ao mercado dentro de al- gum tipo de embalagem. O fornecimento de embalagens é tão crítico que, na eventualidade da falta deste insumo na produção, a maioria dos produtos não conseguiria deixar as fábricas e as empresas parariam de emitir no- tas fiscais. A indústria brasileira de embalagem está alinhada tec- nologicamente e em capacidade de produção com suas congêneres dos países desenvolvidos e aqui estão presentes com suas fábricas, 18 das 20 maiores industrias mundiais deste segmento. O Brasil produz e exporta muitos tipos de embalagens e o setor gerou, em 2014, o faturamento de R$ 48 bilhões, o que representa uma par- cela significativa do PIB nacional. Fazer com que todas estas embalagens recebam um encaminhamen- to adequado após entregarem no destino não é tarefa fácil. O destino destas embalagens pós consumo se torna um problema para as pre- feituras municipais, a quem cabe providenciar a coleta de lixo, pois este é o destino dos assim chamados “Resíduos Sólidos Urbanos” nos quais as embalagens figuram como um dos componentes. Quando se trata deste tema, a questão ambiental tem dominado de tal forma os debates sobre o que fazer com o lixo urbano que vem sobrepujando, inclusive a questão do saneamento público, a ponto de merecer a promulgação de uma lei federal específica para tratar do destino dos tais resíduos. Esta legislação prevê a ação in- tegrada e a responsabilidade compartilhada entre estado, empresas e sociedade e objetiva reduzir os problemas decorrentes do impacto ambiental causado pelo lixo urbano. Um dos seus principais objetivos é ampliar os índices de reciclagem por meio de compromissos com metas a serem alcançadas progres- sivamente. Sem dúvida, a adoção da Lei de Resíduos Sólidos vai trazer no futuro benefícios para os três agentes comprometidos com sua aplicação, ou seja, o poder público, as empresas e a sociedade em geral. Vale a pena dar uma olhada no panorama atual da reci- clagem de embalagem no Brasil e a logística reversa empregada em sua operação para avaliarmos o estágio em que nos encontramos. Mas antes vale lembrar que não é de hoje que a reciclagem de em- balagem está presente na vida cotidiana dos brasileiros. Desde os tempos do Brasil colonial, escravos com seus cestos na cabeça per- corriam as ruas apregoando seu característico “garrafeeeeeiro”. O garrafeiro com seu pregão faz parte das nossas tradições aparecendo no cancioneiro popular, na poesia e na iconografia de época. Quan- do menino no interior, meus amigos e eu coletávamos garrafas, papel, papelão e outros materiais para vender no “depósito de ferro velho” e com o dinheiro arrecadado com esta venda, comprávamos a bola e o jogo de camisas do nosso time. Estes depósitos formam, desde o início do século, uma rede de sucateiros que se propõe comprar o que as pessoas levam até eles e o que os catadores por eles estimulados ou empregados recolhem nas ruas e nas casas. Da mesma forma, a coleta e a reciclagem de embalagens no Brasil funciona com a organização informal de milhões de pessoas que se mobilizam por dinheiro, necessidade ou por idealismo militante para encaminhar embalagens para os centros recicladores e os suca- teiros fazendo com que a partir deles elas cheguem às fábricas para serem reprocessadas. É importante frisar que o grande promotor desta atividade é a pró- pria indústria de embalagem que tem forte interesse econômico na reciclagem e procura adquirir tudo o que consegue encontrar, pois produzir a partir de material reciclado é, na maioria das vezes, bem melhor e mais lucrativo do que produzir a partir da matéria prima virgem. Podemos citar como exemplo a produção de papel produzido com aparas e material recolhido do lixo de escritórios e residências oriundos da reciclagem, pois o custo de produção de uma tonelada de produto acabado cai pela metade em relação ao fabricado com celulose virgem originária das florestas plantadas. Mas e a sociedade o que ganha com isso? E que interesse tem em participar desta atividade? A sociedade tem tanto a ganhar quan- to a indústria pois, além dos ganhos ambientais que a reciclagem promove, ela é fonte de trabalho e renda para quase um milhão de brasileiros excluídos que, com esta atividade, conseguem ganhar seu sustento e empreender no caminho de volta a sociedade da qual a maioria deles já se encontrava a margem. Portanto, um enorme ganho ambiental e social. *Consultor da Ibema, Professor Coordenador do Núcleo de Es- tudos da Embalagem ESPM, Professor do MBA de Marketing da Fundace USP e autor dos livros Design de Embalagem Curso Avançado e Gestão Estratégica de Embalagem.

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